top of page

Minha sentença

O tempo me sentencia, a mente me decreta, o medo me incrimina.



Não é como se eu não soubesse que estava em uma prisão. Contudo, ao observar este espaço habitado por outros prisioneiros, sinto que eles estão em uma realidade diferente. Uma realidade onde não existem essas celas prateadas tão polidas que chego a duvidar da minha sanidade. Como podem viver normalmente em um cubículo tão apertado? Sinto que apenas eu vejo que estão presos. Para eles, a visão é outra, uma em que não posso me inserir, mas consigo ouvir seus risos e, em alguns casos, sentir uma certa sedução em sua monotonia.


A sala com o número borrado, correspondente à minha, está lotada. Minha vizinha é uma mulher de cabelos louros e voz suave. Sinto delicadeza e ingenuidade em suas ações, mas na entonação de sua voz, percebo uma estridência e espinhosidade que revelam sua verdadeira face cansada e expressiva. Os prisioneiros ao lado são humilhados e rebaixados passivamente. Os que ocupam celas maiores e mais brilhantes se tornam alvo de pessoas como ela, que já estão há mais tempo aqui; junto a mim.

Minha cela é simples e pequena, mas real. É a única que possui uma janela, e, modestamente, não aprecio olhar através dela. A sensação de desconforto com asas é obstrutiva; uma vez solta, não há como recapturá-la. Afinal, dar asas a uma cobra é testemunhar o ápice de seu poder.


Ao meu outro lado, há uma parede em branco, deixando-me isolada em relação aos outros. À frente, uma cela menor que a minha, porém mais brilhante, como se o tempo não influenciasse sua arquitetura. Uma mulher na casa dos 50 anos está em pé, olhando para suas mãos e lendo palavras pequenas e intensas, que consigo ler, mas não compreender totalmente; "Você se colocou aqui." Talvez seja sua sentença particular. Essa frase me perturba há tempos. O que é o tempo, afinal? Aqui, ele não tem outra função senão nos sentenciar.


Após observar os penitenciários, percebo que suas visões turvas são apenas uma cortina de prazer, ocultando a verdadeira escravidão que permeia este espaço. E, como se isso não bastasse, a janela cresce a cada momento; o cheiro torna-se mais forte e brusco, fazendo-me desejar fugir. E na minha primeira tentativa de quebrar aquelas colunas de ferro, sinto-me livre, e uma sensação ilusória de liberdade me envolve. Corro em direção à primeira porta e pelos corredores, buscando outra saída. Ao abri-la com esperança, deparo-me novamente com a mesma parede com números borrados e celas onde estava. Calo-me por minutos, horas ou dias; afinal, o tempo aqui é relativo. Mas isso me faz perceber que não estou presa de corpo, mas de alma; estou penitenciada dentro da minha mente.


E então, num chamado, ouço meu nome sendo gritado. Acordo e estou novamente no sofá, encostada numa parede branca na sala da casa de uma amiga, bebendo e sorrindo. Meu corpo está tangível e livre, mas minha mente ainda está aprisionada. Saber o motivo de estar ali aumenta o sistema de segurança da prisão na mesma proporção em que a janela cresce e me engole com a verdade.


Para conteúdos todo dia - @escrita.expressiva


16 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page